Njinga! Reinos e Impérios africanos

A África sempre teve história e já existia antes da presença europeia no século XIX.

 

Desenho de Njinga Mbandi produzido por Achille Devéria
Desenho de Njinga Mbandi produzido por Achille Devéria.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ana_de_Sousa#/media/Ficheiro:Ann_Zingha.jpg. Acesso em: set. 2021.

 

  • Como era a África antes da colonização europeia no século XIX?

Antes da Segunda Revolução Industrial e da colonização em massa do continente africano pelos países imperialistas no século XIX, várias regiões da África viviam um período de ouro, o qual é muitas vezes omitido pelos livros que costumamos ler.

Por ter grande extensão territorial, florestas e rios, como o Nilo e o Zambeze, os povos africanos tinham tudo a seu favor para se desenvolverem e criarem sociedades, as quais vão além das egípcias e cartaginesas, as únicas que os materiais geralmente comentam. Assim, diferente da visão preconceituosa difundida, esses povos africanos eram bem distintos entre si, tanto na atividade artesanal – fabricação de cerâmicas, tecelagem, metalurgia e carpintaria – quanto na agricultura – arroz, trigo, cevada, banana…

Eles não viveram isolados, praticavam um vasto comércio que ia de mercadorias mais simples, como couro e alimentos, até às mais raras: ouro, sal e especiarias. Além de formarem sociedades, culturas e políticas complexas, as quais perduraram por muitos e muitos séculos.

Agora veremos alguns casos a seguir:

 

  • Povos Indígenas da África Central

Os povos da África Central, que eram conhecidos como “pigmeus”, aparecem na história desde fontes da época de Cleópatra e Jesus Cristo até os dias de hoje. Desde esse tempo, eles se concentram nas florestas tropicais da bacia do Congo, região que concentra os países República Democrática do Congo, Uganda, Camarões e Ruanda.

O termo "pigmeu" foi usado pela sociedade dominante para denominar tais comunidades, ganhando conotações negativas, principalmente na língua portuguesa. Mesmo sendo recuperado por alguns povos indígenas como um termo de identidade, esses grupos preferem se identificar como “povos da floresta”, devido à importância delas em sua cultura.

Apesar de estarem no mesmo grupo étnico, sendo chamados de “pigmeus” por séculos, cada comunidade é diferente, algumas delas são: Twa, Aka, Baka e Mbuti, todas diferindo nas tradições de caça, e até mesmo na língua. A economia desses povos era baseada na caça de animais selvagens e na coleta de vegetais, mas isso exigia um ajustamento ecológico e uma especialização tecnológica para que seu meio de sobrevivência, a floresta, não fosse destruída pelas ações humanas.

Com o passar dos anos, principalmente durante e após a dominação europeia naquela região, essas comunidades foram diminuindo-se cada vez mais devido a exploração madeireira, a escravidão e a discriminação da sociedade, pois muitos acreditam que eles são retrógrados e não evoluíram tanto quanto os Estados-nação. Contudo, precisamos ter consciência de que os pigmeus não são inferiores ou retrógrados. A comunidade não se desenvolveu em direção a se tornar uma sociedade dentro de um Império ou Reino porque sua cultura, religião, modo de vida e história a levou para outro caminho: a de se identificar como “povos da floresta” por viver em função desta.

Hoje muitas ONGs estão lutando a favor da sobrevivência da comunidade indígena do continente africano. Para saber mais, acesse: <https://www.survivalbrasil.org/povos/africacentral> Acesso em: out, 2020.

 

Mapa com os grupos indígenas da África Central
Mapa com os grupos indígenas da África Central.
Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pigmeus#/media/Ficheiro:African_Pygmies_(labeled).pngl. Acesso em: set. 2021.

 

  • Reino de Gana

Localizado ao sul do deserto do Saara, o Reino de Gana foi palco de uma das sociedades mais marcantes da história da África. Embora haja relatos que seu surgimento esteja por volta do ano III antes de Cristo, fundados por sírios-palestinos e soninquês – povos nativos da região -, o período de “vida” de Gana está entre os séculos IV e XII, atingindo seu apogeu no período da dinastia Tunkara, do século IX ao XI.

As cidades ganenses eram bem desenvolvidas e a população tinha um grande conhecimento do território. Um exemplo é em relação à antiga cidade Kumbi Sāleh, onde muitas edificações tinham paredes grossas, visando a proteção contra a alta variação de temperatura. Cinco séculos após seu desaparecimento, Kumbi Sāleh é identificada e escavada (1914), atraindo a atenção de centenas de arqueólogos e historiadores.

Uma das mais importantes fontes de renda do reino era o ouro. Igualmente raro como hoje em dia, muitos povos daquela região almejavam esse mineral. Logo, os ganenses controlavam o norte da África e serviam de mediadores para comércios entre os reinos, especialmente também por possuírem ferro e animais de transporte, como o cavalo e o camelo.

O rei de Gana, semelhante aos reis do sistema político monárquico que conhecemos, distinguia-se de todos os outros da realeza: utilizava colares, braceletes e turbantes, tinha autoridade política e era venerado. Essas características também faziam parte das cerimônias funerárias dos reis, as quais, nelas, tinha-se o hábito de enterrar os serviçais com eles, de fazer sacrifícios e de construir bosques sagrados para abrigarem as tumbas reais.

 

Localização do antigo Reino de Gana no século XI
 A imagem mostra a localização do antigo Reino de Gana no século XI. Disponível em: http://geacron.com/home-pt/?lang=pt-pt. Acesso em: set. 2021.

 

  • Reino do Mali

O império do Mali existiu entre os séculos XIII ao XVI, atingindo seu apogeu no século XIV, na região onde se encontram os países Mali, Senegal, Guiné-Bissau e Burkina Faso. Seu surgimento dá início à segunda expansão Manden. O povo Manden é um conjunto de grupos dispersos que viveram entre o Sudão e o Sahel. Desses grupos, os mais notórios são os Soninke – como visto mais acima, fundadores de Gana – Sosoe e Malinké. A população, composta por essas várias etnias, seguia as doutrinas do islamismo e possuíam artefatos luxuosos, ouro, escravos e animais de carga.

O reino congrega vários clãs, sendo o rei, frequentemente, um chefe de clã que impôs sua autoridade a outros. Chefe político, o rei também carrega atributos de líder religioso; sua pessoa é sagrada, e o povo jura por seu nome. No entanto, o soberano está sempre envolta de um conselho, o qual exerce influência moderada sobre o poder real.

Um dos pontos mais interessantes sobre o Mali é que os historiadores indicam que lá existiu a primeira universidade do mundo, chamada Universidade de Timbuktu, fundada por Mansa Muça, imperador islâmico. Então, a cidade de Tumbuktu se transformou em um centro cultural islâmico na África Ocidental, estimulando a ida de vários sábios ao reino.

Desde a década de 1940, os arqueólogos vêm fazendo buscas na região do delta do rio Níger a respeito de figuras de cerâmicas do Mali, as quais eram muito importantes no Império, sendo utilizadas em cerimônias religiosas e militares. Um exemplo é a imagem da galeria - no fim da página - de uma cerâmica, datada entre os séculos XIII e XV.

 

 A região circulada mostra a localização do Império do Mali em 1300 d.C
 A região circulada mostra a localização do Império do Mali em 1300 d.C. Disponível em: http://geacron.com/home-pt/?lang=pt-pt. Acesso em: set. 2021.

 

Cerâmica encontrada no Delta do Níger. Nela, um cavaleiro veste trajes militares cerimoniais e, de acordo com historiadores, a figura estaria representando guerreiros do imperador Sundjata Keita (1210-1260). Fonte: Instituto Smithsonian. Disponível em: <https://www.si.edu/object/equestrian-figure:nmafa_86-12-2> Acesso em: set, 2021.
Cerâmica encontrada no Delta do Níger. Nela, um cavaleiro veste trajes militares cerimoniais e, de acordo com historiadores, a figura estaria representando guerreiros do imperador Sundjata Keita (1210-1260). Fonte: Instituto Smithsonian. Disponível em: https://www.si.edu/object/equestrian-figure:nmafa_86-12-2. Acesso em: set. 2021.

 

  • Reino do Ndongo

Em um período mais recente aos outros que citamos, na África Central, grupos cada vez maiores se constituíram e originaram no século XVI os Reinos do Congo, de Tio, de Loango e do qual falaremos agora: o Ndongo. Nesse momento, a região vinha sofrendo uma série de mudanças rápidas, principalmente pelo avanço do contato entre os povos europeus e pelo crescimento do tráfico de escravos, que virou a principal economia de vários reinos. Embora não tenham durado muito, essas sociedades moldaram e marcaram a história da África até os dias de hoje.

O reino do Ndongo, formado por volta de 1500, existiu onde hoje está a Angola e partes do Congo. A população falava a língua Kimbundu e tinha uma religião única, composta por vários deuses, feiticeiros e curandeiros. O corpo político era complexo, havia o rei e diplomatas, e o poder era dado através do parentesco, por linhagem matrilinear. Ou seja, o primeiro na linha sucessória do trono era o primogênito da rainha-mãe.

A rainha mais conhecida é Njinga Mbandi, que reinou por 40 anos e conquistou vários territórios. Uma mulher inteligente e perspicaz, Njinga sustentou a guerra contra os portugueses até a sua morte, liderando batalhas contra eles e fazendo alianças com povos tradicionalmente inimigos, como os jagas.

Por vezes retratada como vilã, outras como heroína, a rainha Njinga é uma personagem única da história. A líder não media esforços para permanecer soberana: conseguiu conquistar Matamba, um reino próximo; não tinha piedade contra seus inimigos e praticava atos violentos contra seus súditos, como torturar e matar seus amantes. Apesar disso, Njinga continua sendo uma figura muito importante para a história de Angola, país que derivou do reino, e para africanos e afrodescendentes que vivem hoje. Portanto, não cabe a nós dizermos se ela é boa ou má, mas sim reconhecer seus feitos e sua importância para a história de Angola, que hoje a considera como uma personagem da luta anti-colonial.
 

O mapa mostra duas regiões, uma roxa, representando o reino do Congo, e outra amarela, a Angola “portuguesa” - a qual, nesta época, era a União Ibérica. O reino do Ndongo se localizava ao lado da Angola “portuguesa”.
O mapa mostra duas regiões, uma roxa, representando o reino do Congo, e outra amarela, a Angola “portuguesa” - a qual, nesta época, era a União Ibérica. O reino do Ndongo se localizava ao lado da Angola “portuguesa”. Disponível em: http://geacron.com/home-pt/?lang=pt-pt. Acesso em: set. 2021.

 

*Mas... e a escravidão? E o tráfico negreiro transatlântico?

Durante toda a Idade Moderna os reinos e povos africanos conviveram com o comércio de pessoas de cor negra escravizadas no atlântico; muitos deles até tinham como maior fonte de renda o tráfico na costa oeste da África para os europeus, especialmente com destino ao Brasil.

No entanto, não devemos cair no pensamento de que o tráfico negreiro não foi algo tão danoso assim, tendo em vista que muitos africanos se beneficiaram com isso e até praticavam a escravidão.

Embora a escravidão seja um crime à humanidade em qualquer situação, os escravos existentes nos reinos de Gana e Mali, por exemplo, eram frequentemente prisioneiros de guerra – visto em muitas civilizações da antiguidade como a grega e a romana. Os europeus e outros povos, com o tráfico transatlântico, por outro lado, criaram uma indústria de pessoas escravizadas a partir da cor da pele, deixando até os dias de hoje um rastro de preconceitos, discriminações e ciências sem fundamentos que tentam a todo custo provar a inferioridade dos negros.

 

*Uma observação mais que especial

Os comentários e explicações sobre alguns reinos e impérios africanos nos fizeram perceber que as sociedades nesses continentes foram tão complexas e marcantes quanto às desenvolvidas na Europa, certo? Contudo, as comparações podem ser perigosas.

Os sistemas de poder e a organização política entre os povos africanos são bastante diferentes dos que estão entre as sociedades ocidentais, como a nossa. Hoje, alguns historiadores vêm se dedicando a estudar e a entender o conceito de Estado para certas sociedades na África; e perceberam que a ideia de “Estado” se dá sobre os homens, e não sobre a terra. Com essa diferença de conceitos, o historiador guineense Carlos Lopes, por exemplo, ao estudar o reino mandinga do Kaabu, usou uma expressão da língua do reino – mansaya – para nomear a estrutura política daquele lugar.

Entendemos que os conceitos de reino e império criados pelos europeus – para explicar suas próprias sociedades – não se adequam à realidade das sociedades africanas. Portanto, utilizamos os termos somente para que vocês, professores, alunos e visitantes, possam compreender melhor a organização política na África.