A invenção de um continente: uma história da África realmente africana?

Disponível em: https://www.britishmuseum.org/collection/object/P_1895-0122-403. Acesso em: out. 2020.
Para falar em colonialismos, precisamos falar de como o racismo e conceitos de raça, exotização e homogeneidade cultural e social, criaram a percepção que se tem sobre a África.
Mudimbe é um importante intelectual congolês, que analisa desenhos e pinturas europeias dos séculos XVI e XVII sobre o que se conhecia da África. Muitos dessas imagens foram produzidas por pessoas que nunca haviam ido para o continente africano. Para Mudimbe, aqueles desenhos tinham uma grande função: separar ainda mais o que é civilização e o que é selvageria; o que é branco, europeu, e o que é negro, africano.
Os pintores utilizavam suas visões de mundo como referência. Por isso, a população da costa litorânea da África era pintada com corpos semelhantes aos dos europeus. No entanto, essas pessoas eram retratadas com vestimentas e apetrechos grandes e exagerados, exaltando o exótico e a estranheza delas. Os iluministas taxavam aqueles que não viviam de acordo com os modos e valores europeus como irracionais, bárbaros e incapazes de viverem em sociedade. Um processo de desconstrução e apagamento dessas pessoas, que se diferencia do racismo científico do século XIX, que traz em seu cerne a criação da raça negra, a desumanizando e inferiorizando.
O que nós, brasileiros - povo colonizado por séculos pelos europeus - conhecemos como “africano” e “negro” não foi produzido pelas Áfricas ou pelos africanos, mas sim sobretudo pelo que nos foi passado pelos colonizadores do Ocidente, pelos “vencedores”. Fazendo, assim, com que uma única história sobre África, como diz a escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, fosse reforçada por meio de imagens e ideias negativas sobre o continente. Do mesmo modo, a noção de história da África que é transmitida tradicionalmente nos materiais didáticos e salas de aula não foge de uma concepção eurocêntrica 1 e única da história. Nos momentos em que é objeto, a história do continente é, ou apresentada em um sentido ocidentalizado, como seria o caso das civilizações africanas no antigo mediterrâneo – Egito e Cartago – ou como um “anexo” da História Geral, 2 apenas citada quando tem relações diretas com o passado de certos países europeus.
O colonialismo no século XIX não é trazido com perspectivas africanas, ou abrangendo as consequências e ressignificações que existiram dentro do continente. No Ensino Médio, falamos sobre a colonização da África no século XIX para explicar os processos da Segunda Revolução Industrial e os fatores para a ocorrência das Grandes Guerras Mundiais. E isso alimenta nossa percepção de que os africanos não são sujeitos da própria história, mas sim povos passivos que apenas servem para explicar alguma parte da história europeia.
É interessante refletir o quanto ressoa a contradição da Conferência de Berlim (1884): se traça um papel a ser cumprido pelo continente africano, sem mesmo se preocupar com uma mínima representatividade daquele. Tudo se baseia em representações, modelos e sujeitos europeus. Cabe a reflexão: até que ponto o ensino de história da África se constitui como forma de contrapor colonialismos e seus desdobramentos e até que ponto lhes é conivente e mesmo perpetuador?
Não concordamos com isso! Queremos mostrar que todos os grupos culturais humanos são sujeitos de suas próprias histórias.
1 - O eurocentrismo é uma visão de mundo que coloca a Europa e a cultura europeia no centro, valorizando as culturas e histórias europeias e as colocando como referências para a humanidade, ao mesmo tempo em que diminui a contribuição de outras civilizações.
2 - História Geral é um termo muito utilizado em livros didáticos e em salas de aula para se referir à História Mundial. No entanto, a “História Geral”, em sua maioria das vezes, sobressalta e restringe a história do Mundo a história europeia.
Arthur Lins Wolmer - Colaborador

Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rugendas_-_Escravos_de_Benguela_e_Congo.jpg. Acesso em: out. 2020.

Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rugendas_-_Escravos_de_Cabinda,_Quiloa,_Rebola_e_Mina.jpg. Acesso em: out. 2020.