"As tentativas de fotografar e narrar o cotidiano da pandemia são, inevitavelmente, arriscadas.
Se o processo da pandemia traz à superfície e torna explícito o par vida e morte, a emergência deste cenário vista desde o cotidiano se apresenta pelo redimensionamento coletivamente percebido de nossas experiências de tempo, espaço, domesticidade, cuidado, proximidade, entre tantas outras, entrecortado pelas distintas desigualdades socio-corporais que se adensam e se deslocam.
A tentativa deste ensaio foi colocar um cotidiano em perspectiva e, por meio dele, refletir sobre o que constitui a própria perspectiva de um recorte imagético que ensaia narrar e interpelar as sensibilidades coletivas na produção cotidiana de sua dinâmica de vida em meio à pandemia. Uma vez que as dinâmicas de infecção viral, articuladas a tecnologias de governo, modulam os deslocamentos e permanências de diferentes categorias sociais, uma das distinções elementares que pareceu emergir dessa conjunção foi o estar na ou fora da rua.
Tendo passado a maior parte dos últimos meses isolada em meu apartamento no centro de São Paulo, seguindo por escolha uma exigência moral de estar em casa, meu cotidiano, como o de diversos amigos e colegas, tem sido disposto pelo imperativo de estar em ou fora de casa, imperativo este que, penso, tem sido constantemente entrecortado pelo o de pessoas que apresentam, como exigência marcante das governamentalidades pandêmicas, estar na ou fora da rua em espaços urbanos. Com este ensaio, arrisco trazer algumas destas experiências marcadamente distintas da minha, a partir de uma estabilização provisória e parcial de especificidades emergentes, porém não menos estruturais.
Todas as fotos foram tiradas em um sábado de meados julho. Neste momento, os dados oficiais informavam uma média semanal de 1000 mortos por dia e o país já tinha confirmado 72 mil mortes e um 1.8 milhão de casos confirmados. Neste momento, no estado de São Paulo estavam morrendo diariamente cerca de 340 pessoas, sendo a cidade de São Paulo a que totalizou o maior número de mortes."