Mestre e doutorando em Antropologia pelo Programa Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de Brasília (PPGAS/DAN/UnB),
Graduado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Bolsista de doutorado do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
“Carnaúba é assim: dá em todo em canto”. Andando pelo Delta do Rio Parnaíba é difícil discordar disso. A carnaubeira faz-se presente nas portas e nos quintas das casas, na beira do rio, nas calçadas de prédios públicos, no meio fio de avenidas. Há quem a chame de “árvore da vida”, porque dela tudo se aproveita. Das raízes fazem remédios; com o caule, móveis, cercas, casas. As palhas são bastante apreciadas no artesanato de cestos, redes, tapetes e o que mais a criatividade permitir. Elas fornecem ainda matéria prima para a produção de velas, microchips, cera, cosméticos e produtos lubrificantes. Antes disso, obviamente, suas folhas precisam ser retiradas do alto de suas copas. É sobre este processo que irei narrar através de imagens.
Apesar de amplamente presentes no semi-árido nordestino, é nos carnaubais onde encontramos várias delas. Juntas. Exuberantes! Medindo até 20 metros. Suas palhas são coletadas com o auxílio de uma foice. Na Reserva Extrativista Marinha do Delta do Parnaíba (lugar onde o ensaio foi realizado) a organização para esta atividade ocorre em “turmas”. Grupos de pelo menos quatro homens que – desempenhando diferentes funções – coletam e preparam a folha da carnaúba para serem trituradas em máquinas. Somente assim se obtém o pó com o qual produtos derivados da planta serão confeccionados. Porém, se a máquina realiza uma das principais transformações técnicas (Sautchuk, 2017) implicadas nesta cadeia produtiva, é apenas através do manuseio da folha por mãos humanas que isso se torna possível.
Lelía, Assis e Marcelo – personagens desta narrativa visual – trabalham com as mãos ao lidar com foices, facões e outros ferros. As mãos unem, separam, cortam, carregam, abrem as folhas. O que não significa dizer que todo o corpo não esteja envolvido na constituição dessas habilidades (Ingold, 2002). Acessar as carnaúbas requer caminhadas. Implica conhecimento profundo do próprio território e suas territorialidades (Godoi, 2016; Little, 2002) seu relevo, áreas alagadas, localização dos carnaubais. Saberes gestados a partir do engajamento prático das pessoas com seus ambientes e caminhos de vida (Ingold, 2002, 2015). Quem se aventura neste ofício joga ainda com o calor do sol, pois só depois de espalhadas ao chão para secar poderá ser extraído o pó das folhas. Além da descrição de gestos efetuados na coleta, portanto, o ensaio mostra o conjunto de paisagens, plantas e agentes mais-que-humanos (Tsing, 2019) nela envolvidos. As fotos são da “safra” de 2019.