Retomada Pitaguary

Alex Hermes

Instituição UNILAB - CE

 

"E lá estava eu convocado em 2013, no meio do terreiro da aldeia Monguba Pitaguary entre os municípios de Pacatuba e Maracanaú aqui no Ceará. Como fotógrafo fui convidado para registrar o momento fatídico do que seria uma reintegração de posse pela polícia federal no território Pitaguary. A Retomada Pitaguary que havia começado no fim de 2011 estava ameaçada de continuar a ter seu êxito. Acompanhei durante uma semana esse evento e com a decisão da justiça limiar de manter a “ocupação” do terreno que estava fora da demarcação das terras indígenas pena FUNAI. A reintegração de posse que seria efetuada  foi anulada na última hora, com a articulação entre movimento indígena e aliados dos vários movimentos sociais e instituiçõe s que apoiam.  Naquele ano o cenário em que se encontravam as lutas dos movimentos sociais onde,  havia muita agitação com a copa das confederações e os protestos com o aumento da passagem dos ônibus. Foi um período que essas imagens foram publicizadas independente da cobertura da grande mídia. Publicamos as fotos da Retomada também. Um movimento que me despertou interesse de análise para esse trabalho, aconteceu naquele momento. Foi a mudanças dos nomes das pessoas no Facebook em solidariedade ao indigenas Guarani Kaiowa e se repetiu com os Pitaguary em âmbito local. Essas imagens me acompanharam até aqui depois de terem sidos apropriadas pelos Pitaguarys para exposições e outras formas de mobilização de suas memórias e lutas, no acervo do Museu Pitaguary, na escola, nos álbuns familiares a Retomada da Pedreira encantada foi um evento emblemático onde diversos agentes da sociedade se juntaram ao povo Pitaguary na resistência e na vulnerabilidade."

 

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Nesse período, primeira década dos 2000, ainda experimentávamos o que poderia ser o uso massivo das redes sociais enquanto instrumento de luta. As retomadas indígenas já aconteciam desde a década de 80’. O povo Guarani Kaiowa do Mato Grosso do Sul, foi um dos primeiros a se apropriar das mídias e travar um diálogo para o bem e para o mal com a imprensa. Na reivindicação de seus Tekoha. Territórios onde podem exercer seu modo de vida. Mobilizações e assembleias, chamadas Aty Guasu.

No Nordeste as Retomadas mais conhecidas são da Serra do Padeiro. Povo Tupinambá da Bahia. Essa Retomada da qual trago imagens foi articulada pelo povo Pitaguary no Ceará no fins de 2011. Essa primeira foto montada para divulgação do movimento de resistência. Foi publicada por um jornal local e também circulou pelo ainda incipiente Facebook. Outras antes dessa circularam e serviram de convocação a sociedade civil, um chamado, para se juntar ao Pitaguary na sua resistência. Na imagem encontram-se Pitaguarys e outros aliados do movimentos sociais que se juntavam a eles. A principio um pequeno grupo que estava disposto a resistir a uma reintegração de posse que iria ser executada pela lei. Uma situação bem delicada para um pequeno grupo.


 

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Algumas imagens a meu ver, são como artefatos, que compõem ensaios e materializam ideias e fatos ocorridos. As letras adornadas pelo grafismo sobre a madeira, precária no solo, com bordas desgastadas e a ação do tempo. A única folha caída abaixo, dão a dimensão das dificuldades em contrapartida de uma certa autenticidade forjada na superfície. Entre a RETOMADA e PITAGURY, esta a ITA- OCA. Casa de pedra, a pedreira, espaço a ser reabitado. A pedreira Encantada, como é chamada pelos Pitaguary. É um espaço de ancestralidade onde encantados viviam, onde animais e a vegetação sofreram com o impacto da mineração. Prática extrativista que entre uma explosão e outra adoecia e tirava toda fertilidade e a essência cultivada pelos Pitaguarys. A ITA- OCA, Pedreira Encantada, como é mais conhecida é morada de muitos seres, casa habitada hoje por muitas espécies de animais e plantas que retornaram a vida. Após muitos processos judiciais, idas e vindas essa casa onde mora o Pajé Barbosa Pitaguary com sua Família é um espaço de preservação e acolhimento espiritual para muitos que buscam a energia dessa morada cinzenta.

 

 

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A face, cortada, revelada, comida, pelas maquinas e explosivos da pedreira. Em tempos de seca ela se mostra mais aguda como foi durante a Retomada. No inverno, a face se recobre pelo verde e até parece uma cabeleira. Quando a muita chuva ela chora de alegria e dor. Essa visão só pode ser acompanhada a uma boa distância. Esse mistério da face do índio é acompanhado por todos que visitam a pedreira e fazem conjecturas sobre o desenho. Por que justo a face de um índio se revela? Em um território a anos em litigio. Em uma montanha, serra, morada ancestral do povo Pitaguary, que disperso na terras do Ceará colonial. Foi se assentar longe do litoral, perto da caça, do silencio das pedras. Interrompido pelos projetos de modernização da capital. A serra da Aratanha foi se transformando em uma fornecedora de pedras para projetos de desenvolvimento no séc. XX. Um Fortaleza que sonhava com um Porto. Com a construção de uma linha férrea. Que atravessa e é o limite das terras Retomadas durante o processo de etnogênese e a Demarcação do território Pitaguary. A pedra do Índio é bem conhecida pelo arredores e essa fotografia acabou que de certa forma contando essa historia. Representando um pouco essa resistência.

 

 

 

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O povo reunido no dia da reintegração de posse. Muitas barracas das pessoas que vieram apoiar, ônibus e carros da pessoas de fora. Muitos povos indígenas do Ceará vieram na ultima hora para resistir com os Pitagary. Ali em cima o Cajueiro, nessa sombra onde passei muitos fim de tarde daquele tempo para cá. A grande roda de Toré puxada pelo pajé Barbosa. Um momento de concentração, de pedir força ao encantados para enfrentar o pior que esta por vir. Como fotografo, que conhecia pouco o espaço, mas fui astuto em perceber uma situação, um desenho que esses corpos formavam. Naquela concentração haveria um tempo hábil para buscar uma distancia ideal para foto. Imaginando o efeito que teria. Entrei pela casa que era então um rude acampamento, até o andar de cima. Ali funcionava a antiga sede da empresa que explorava a pedreira e que estava desativada a alguns anos. Ainda tive tempo de fazer um pequeno vídeo. Minhas condições na época eram muito boas em termos materiais. De equipamentos, eu tinha pouca memoria e lugar para guardar as imagens e todas as cenas tinham que ser bem escolhidas.

 

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Essa imagem dos Aliados um tanto fantasmagórica, foi feita em baixíssima velocidade, de fotometria e buscava um efeito de transcendência ou algo desse tipo. Durante aqueles dias houve muitas rodas de Toré. Essa dança Ritual típica dos índios do Nordeste. Os Aliados eram aparições bem vindas naquela situação. Uma das coisas que tento investigar nesse trabalho é essa presença. Essas alianças que estavam sendo produzidas nos termos de uma cosmopolítica indígena.

 

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Nas Retomadas nem tudo é consenso entre as lideranças. Mas um consenso entre os Pitaguary é que as lideranças Mulheres, guerreiras se sobrepõem numericamente e ativamente com relevância. Aco que é uma característica dos povos no Ceará. Pude conviver com alguns povos aqui e acompanhar o movimento dessas mulheres. Aqu,i Fracilene Pitaguary e Clecia Pitagury. Paramentadas, pintadas e adornadas para luta. A pintura é de suma importância assim como os colares, brincos e cocares. Discutem suas estratégias pra ação durante a reintegração de posse.

 

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Guerreira Tapeba ocupando a Faixa da BR Paralisada durante a reintegração. A tensão estava ao máximo nesse momento. Havia a presença de muitos movimentos sociais, impressa local e a policia federal estava a caminho. Ali no fundo ainda da para ver parte da serra. O grito de resistência, as expressão contorcida na face dessa indígena é símbolo de uma luta intensa dessas jovens que cresceram dentro do movimento indígena. Muitas participam de reuniões desde a idade mais tenra. Sabem da dificuldade na construção da leis, conquistas de uma educação diferenciada, saúde em seus territórios. Convivi próximo a Francilene Pitaguary da foto anterior, Filha do Pajé Barbosa.

 

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Acompanho até hoje essa família, me juntei a eles em muitos outros movimento. Acima Pajé Barbosa e no cantinho a Dona Mãe Liduina. Guerreira que me contou das muitas retomadas que os Pitaguarys fizeram em seus diversos territórios em tempos diferentes. Me contava da dificuldade dos primeiros tempo, mas também da união do seu povo. A família deles, que hoje é também minha família, Posso dizer isso sem constrangimento. São um povo muito espiritualizado e tomam conta desse espaço que é a pedreira encantada até hoje. Acolheram muitos moradores, indígenas e não indígenas no terreno. Algumas casa foram construídas e outras famílias se constituíram ali. Também é o espaço do Museu Pitaguary, onde parte desse acervo de fotos  permaneceu para contar essa historia que me orgulho muito de ter vivido.