Abertura - "Que tu tenhas teu corpo"

Por meio de "Habeas Corpus" o AEL convida ao debate sobre os atuais limites da cidadania da população trans e ao seu direito de existir e usufruir do seu próprio corpo. No Brasil a população trans (travestis e transgêneros) é uma das mais atacadas, com o a menor expectativa de vida e com maior índice de informalidade no trabalho.

 

A exposição está estruturada em cinco eixos:

  • Espaços onde é permitido o corpo trans;

  • Repressão e violência;

  • Organização política;

  • Reivindicações e

  • Corpo trans vivo.

1. "Que tu tenhas teu corpo" - Habeas Corpus, texto de João Silvério Trevisan publicado no jornal Lampião da Esquina, ano 2, no 17. RJ, 1979. Trevisan foi cofundador do Lampião, considerado o primeiro jornal a politizar o cotidiano na perspectiva LGBT no Brasil.
1. "Que tu tenhas teu corpo" - Habeas Corpus, texto de João Silvério Trevisan publicado no jornal Lampião da Esquina, ano 2, no 17. RJ, 1979. Trevisan foi cofundador do Lampião, considerado o primeiro jornal a politizar o cotidiano na perspectiva LGBT no Brasil.

 

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Transcrição da reportagem:
“QUE TU TENHAS TEU CORPO” (HABEAS CORPUS)
Habeas-CORPUS (lat "que tenhas teu corpo") SM. --Garantia constitucional outorgada em favor de quem sofre ou esta na iminência de sofrer coação ou violência na sua Liberdade de locomoção por ilegalidade ou abuso de poder. (Aurelião)
e então, o que é ilegalidade? Quem além dos poderosos está autorizado a definir o que é “abuso de poder"? Realmente, que garantias existem para que os indivíduos se protejam contra as arbitrariedades dos donos do poder? A anistia, hoje reivindicada, seria de fato a mais ampla possível ou estaria se restringindo aos filhos da classe média perseguidos? E os difamados presos-comuns, filhos das massas injustiçadas cujos crimes na verdade são atos de legítima defesa ou última opção de sobrevivência? Por que foram relegados ao esquecimento nas cartilhas do progressismo nacional? Quem sabe o que andará acontecendo com eles,  detrás das grades deste país? Essas e muitas outras perguntas difíceis começam a ser formuladas em certos setores. Vários grupos e indivíduos interessados ou ligados à questão têm se encontrado em São Paulo para desvendar o mundo das prisões: o Movimento Negro contra a Discriminação Racial [MNU], ex-presidiários, advogados, o Somos - Grupo de Afirmação Homossexual, o Núcleo de Psicologia Social, o Acheh-Tapuyo, etc. A Idéia é fazer um primeiro levantamento quanto à situação das prisões, provocar discussões dentro e fora das grades, oferecer assessoria aos presos, familiares e ex-presidiários, além de editar um jornal o quanto possível de, para e sobre os presos.
Além de grupos religiosos (católicos e crentes), só o Movimento Negro vem tendo há multo tempo um contacto com a realidade carcerária, fazendo visitas, discutindo e oferecendo alguma assessoria jurídica. Evidentemente, os negros têm especial Interesse na questão: mais ou menos 80% dos prisioneiros comuns são negros — o que já é em si mesmo altamente significativo. Esses homens e mulheres que vivem enfiados em verdadeiros campos de concentração perderam seus direitos fundamentais como cidadãos e encontram-se totalmente à mercê do aparelho estatal. Não têm meios de contratar advogados, sua relação com a sociedade é inteiramente boicotada, sua vida pessoal e sua sexualidade sistematicamente violentadas. Não raro, acabam cumprindo penas maiores do que as prescritas, porque caem no esquecimento. E quando saem, quem dá emprego a uma pessoa que carrega o estigma de ex-preso? Forma-se o círculo vicioso: a única alternativa é voltar à atividade considerada criminosa e, geralmente, acabar outra vez na cadeia (quando não nas garras fatais do Esquadrão). Por isso, na Penitenciária de São Paulo estão encerradas quase 7.000 pessoas, num espaço previsto para 2.500. A visão dessa realidade é tão perturbadora que Sistema tomou mais uma recente providência para escondê-la: a Comissão de Justiça (!!) do Senado aprovou um projeto que proíbe a divulgação de memórias de criminosos condenados pela Justiça, seja em livro, peça ou filme, pois tal divulgação aumentaria "os índices de criminalidade e pregação da violência", com os delinqüentes transformados em heróis. Ora, e o salário mínimo, o desemprego, a violência institucionalizada e veiculada até pelas televiões [sic], isso não teria relação alguma com os crimes? É só por obra do acaso que os prisioneiros pertencem majoritariamente às classes menos favorecidas? Esses assuntos estão sendo discutidos, todas as segundas -feiras às 21 horas no Teatro Oficina (Rua Jacegual, 520, Bela Vista, S Paulo), com quem estiver interessado. O Acheh Tapuyo até já lançou o cartaz Habeas-corpus. Contra o espectro de 1984, estamos reafirmando nosso direito de ter nosso corpo e de movimentá-lo em liberdade. Até quando ainda for possível. (João Silvério Trevisan)